Um recuerdo da minha passagem pelos Hospitais da Universidade de Coimbra
Tenho como ritual antes de ir dormir ver uma das mil séries que sigo. Ontem a escolha recaiu sobre Castle. Durante a visualização o meu corpo (talvez por não suportar a grande qualidade da série ou os seus enredos intrincados) revoltou-se. Deu-me uma pontada do outro mundo na zona dos rins e já não aguentava deitada. Andei uma hora de um lado para o outro, quase corcunda e depois tive que acordar a minha wing girl (AKA a minha irmã) e rumar aos HUC.
Sendo quatro da manhã cheguei ao Hospital em 10 minutos e ainda tive que parar num malfadado sinal vermelho, que nunca me pareceu ter demorado tanto a abrir (acrescente-se que para além de dor abdominal ainda estava regurgitar o jantar o que fez com que conduzisse com um saquinho, daqueles pequenos da farmácia que era o que tinha à mão, para ir deitando fora o que me agoniava, o pior era acertar com a abertura do saco enquanto metia mudanças).
Primeira vez nos HUC entrei com os sentidos bem atentos. Logo na inscrição - eu com lágrimas da dor - o senhor demorou uns 15 minutos a deixar-me ir para a triagem. "Qual a sua morada?" - É essa que está aí! "Qual a sua profissão?" - É tal! "É da ADSE?" - Não. Porque é que me pergunta isso? "A maior parte das pessoas são" - ....
Triagem. Eu cheia de dores, quase a contorcer-me snake style. O médico acha que de 0 a 10 tenho 4 de dor. Pelos visto a maior dor física que senti na vida é apenas nível 4. Devo ser uma sortuda ainda não ter sentido mais dor. Quando parir aparentemente devo morrer com a primeira contracção.
Sou logo chamada para ser vista. O médico - giro nas horas e aí da minha idade - põe as suas mãozinhas na minha barriga e começa a pressionar e a perguntar onde tenho dores. Concentro-me nas dores e não nas mãos. Tratamento: soro com uma coisa qualquer que ninguém me explicou, podia estar a fazer uma viagem à wonderland que nem sabia. Depois de tratada pedem-me que fique em observação. Onde? Numa cama individual? Numa daquelas salas com 20 camas cheias de velhinhos e gente com gripe? Não. Num corredor onde não para de passar gente...
A minha irmã está comigo e não encontra posição para dormir. São cinco da manhã. Ao meu lado uma velhota dorme e ressona. Ao lado da minha mana um casal. Ele de nariz partido manda palavras iradas para o ar contra o "amigo" que lhe deu um murro. Eu estou de olhos bem abertos, o soro que estava a levar na veia já acabou e fico a imaginar se não me entra uma bolha de ar para a corrente sanguínea. A minha mana manda-me calar. Estes pensamentos são recorrentes na minha pessoa. Fico com medo de tocar em tudo porque acho que vou apanhar uma doença. Não me tiram a agulha da veia porque "podem ser precisas novas análises" Passo 6 horas em "observação", num corredor de hospital e com uma agulha espetada na veia.
São seis da manhã. A hora mais negra da noite. Há música nos corredores. Muito baixinho passa o S&M dos Metallica... O tipo do nariz partido diz que aquela música lhe dá vontade de partir o gajo que lhe deu o murro. Repito...o S&M. Se fosse o Black Album o homem partia o hospital todo. A velhota ao meu lado é embalada pelos Metallica e a minha irmã também. O casal acaba por adormecer abraçado. Eu continuo com a porra da agulha no braço e o tubinho do soro pendurado naquelas estruturas de metal com rodinhas. Uma das rodinhas...não roda. Quero fazer xixi. Tenho que ir à casa de banho do hospital com uma agulha no braço e uma coisinha de rodinhas que não roda. Começo a ficar com ansiedade. Obviamente a vontade de xixi aumenta com a ansiedade. Tiro o saquinho do soro da estrutura de metal e corro para o WC. Calço umas luvas que surripei ao cantinho das enfermeiras. A casa de banho tem aquele sistema de luz em que temos que abanar os braços no ar para funcionar. Tento abrir as calças com a agulha no braço e o saquinho do soro na mão. A luz apaga-se estou eu a meio do processo. Tenho que abanar o braço e apenas o da agulha está numa posição conveniente. Abano devagar... não acende. Mexo as pernas para a frente a para trás...não acende. Abano a cabeça, acendeu. Faço o que vim fazer muito rápido.
Mais uma hora se passa. Não vejo uma alma. Dou conta que os médico estão todos a dormir numa sala ao fundo do corredor. Começo a imaginar o médico giro a dormir. Lembro-me da Anatomia de Grey. Já não durmo à um dia. Imagino o médico giro a fazer outras coisas que não dormir. Shame on me.
Duas horas mais tarde sou vista de novo. Aparentemente não tenho dores. Dão-me alta condicionada. Se tiver dores outra vez tenho que lá voltar. Não fazem a mínima ideia do que tenho pode ser uma dor renal e/ou abdominal e/ou do sistema urinário e/ou apendicite (embora esta pouco provável). Saio dos hospital às 9 da manhã.
Vivo no centro da cidade. Nunca há lugar às nove da manhã. A minha hipótese é deixar o carro num descampado nos arredores da cidade, apanhar um táxi até casa, e voltar a apanhar um táxi para ir buscar o carro ao final do dia. Ainda assim passo à frente da porta de casa pode ser que o karma seja meu amigo.
E é! Existe um único lugar livre. Estaciono, subo as escadas, tiro a roupa, aqueço um saco de agua quente, deito-me na cama e morro. A mana também.
Acordo às 5 da tarde. Não tenho luz em casa! (mas esse conto são outros quinhentos)
Ah aventura! Um beijo de melhoras*!
ResponderEliminarDesejo que fiques boa rapidamente.
ResponderEliminarbj grande
Que aventura!! Um enredo digno de uma série!!
ResponderEliminarbjs de melhoras
AC
A todos muito obrigada! Ainda não tive recaídas... :)
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