29.11.13




SAUDADE (27 de maio de 1968)

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que ...a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.
 
CLARICE LISPECTOR, in A DESCOBERTA DO MUNDO (Rio de Janeiro: Rocco. 2008), (Relógio D` Água , 2013)

27.11.13




"I can only note that the past is beautiful because one never realises an emotion at the time. It expands later, and thus we don't have complete emotions about the present, only about the past."
Virginia Woolf

Set my Mood!





Falta verdade a tanta gente.

E o pior é que a maioria não se apercebe.

The Wednesday Breakdown


26.11.13



Ele, de facto, gosta de mim.
Gosta de mim mais do que o M. que vivendo a 300km nunca tirou a carta para estar comigo. O mesmo M. que quando precisei mesmo, quando a minha avó morreu, não tinha como me confortar com os seus abraços. E eu desisti. Ele foi assistir a um jogo do Benfica a 300 km de casa na semana seguinte.
Gosta mais de mim do que o J. que se inscreveu num estágio em Madrid quando estávamos no pináculo da paixão e mesmo assim queria continuar. E eu desisti. Ele foi  para Madrid, ficou um ano e hoje trabalha noutro ramo.
Gosta mais de mim do que o M. que queria ficar comigo para sempre mas não largou o emprego estúpido num call center para seguir o seu talento para desenhar formas. Eu desisti. Ele evoluiu e já não trabalha num part-time num call center, agora tem um full time.
Gosta mais de mim do que o A. que achava que amor era passear-me à frente dos amigos. E eu desisti. Hoje ainda não sabe o que é o amor, mesmo tendo, como músico, as mulheres que quiser à perna.
Gosta mais de mim do que o S. que achava que o lugar da mulher é atrás de um fogão. E eu desisti. Hoje é um machão com uma mulher cornuda na cozinha.
Ele gosta de mim. Em vez de me enganar com desculpas diz que não tem tempo: "Ainda por cima estou encarregado de fazer um presépio até dia 10.". Que só vai conseguir estar comigo em 2014. Que se não consegue dar tudo prefere não dar nada.  



Alentejo

Terra parida,
Num parto repousado,
Por não sei que matrona natureza
De ventre desmedido,
Olho, pasmado,
A tua imensidade.
Um corpo nu, em lume ou regelado,
Que tem o rosto da serenidade.


Miguel Torga

Uma série de semanas sem escrever e o que me faz voltar aqui é a ânsia de publicar...



...isto!

14.11.13

Kinshasa Kids


 
 
Gosto muito de festivais de cinema, essencialmente porque me dão oportunidade de ver filmes muito fora do circuito comercial e depois pelas temáticas delimitadas que nos obrigam (e desafiam) a ver um determinado género ou tipo de filme.
Nunca tinha tido oportunidade de ir à Festa do Cinema Francês, mesmo passando esta por várias localidades onde já vivi (Lisboa, Coimbra) e este ano tive o gosto de me estrear neste festival à sua passagem por Beja.
Digo que tive o gosto porque o cartaz era suculento e a escolha foi feita levada por critérios misteriosos e sem sentido. O filme a que assisti chama-se Kinshasa Kids.
 
Há várias maneiras de filmar ex-colónias, acontecendo em Portugal uma estranha (estranha porque inesperada) onda de cinema que contempla os territórios ultramarinos, de que me lembro à cabeça de TABU. Marc-Henri Wajnberg optou por filmar a capital da Republica do Congo sob três linhas guias: a superstição, a pobreza e a liberdade pela música. Tudo embrulhado num falso documentário que parece tão real como os actores amadores que dão corpo a personagens/vidas.
Aqui as crianças são os reis da acção. Gostei muito que o filme fale sobre crianças de rua sem as querer libertar da pobreza. Não há aqui um objectivo em redimir. Se a música aqui tem uma função é a de libertar a mente de uma vida difícil, não de ser o veículo para riqueza. Lá pelo meio há um pequeno Michael Jackson, um músico cujo styling põe Lady Gaga a um canto e uma motoreta onde cabem 10 pessoas.  
 
Um post sriptum para referir a sala onde fui assistir ao filme, no cine-teatro Pax Julia, um local muito bonito que em muito glorifica esta cidade. Um ponto para Beja.

 
Quem toca na espuma
mergulha no mar.
Assim comecei a amar-te.
Primeiro uma gota...
invisível. Agora
no sexo que me abres
na saliva que me sacia
a terra toda e todos
os seus rios.


CASIMIRO DE BRITO, in AMAR A VIDA INTEIRA (Roma Ed., 2011)

Cover me Up






 

13.11.13



Ando numa fase de amores...
não sei se maus se bons...
não se tornam maus se nunca foram bons, não é?

The Wednesday Breakdown!




Este é um projecto incrível e precioso.
O fotógrafo Jimmy Nelson dedica-se, desde 2009, a registar as culturas mais peculiares e desconhecidos do planeta. Estas culturas, não estando em risco imediato, são ainda assim tão específicas que não se sabe ao certo quanto tempo demorará até que o homem ocidental chegue até elas (na verdade, ai a ironia, já chegou pelas mãos do fotógrafo) e estas se modifiquem.
Fica uma amostra do registo feito - o projecto chama-se Before They Pass Way - e as imagens e informação podem ser apreciadas aqui.





 
 
Fica também um vídeo em jeitos de documentário sobre e execução das fotografias.

 

10.11.13

Cover me Up!



 
 
 
e...
 

Como ouvir um concerto de Kelela sem sair do sofá!

 
 
 
Descobri há dias a Kelela. Segundo me foi dado a saber as suas origens são etíopes (e embora o género musical que enverga seja o R&B as influências de onde bebeu estão lá)  e a sua voz, em alguns momentos, lembra a de Mariah Carey (nos momentos bons e em melhor).
Com gostos que vão desde violino, Mirian Makeba, Natalie Cole a algumas bandas de metal ela caracteriza-se por um som original e agregador. Por estes lados é a nova coqueluche auditiva. Aqui fica o registo no Boiler Room.

 
 
"E abrindo um viu que era a Diana de Jorge de Montemor, e disse, crendo que todos os outros eram do mesmo género:
- Estes não merecem ser queimados, como os demais, porque não fazem nem farão o dano que os de cavalarias fizeram, que são livros de entretenimento sem prejuízo de terceiro.
- Ai, senhor! - disse a sobrinha -, bem os pode vossa mercê mandar queimar como aos demais, porque não seriam novidade que, tendo sarado o senhor meu tio da enfermidade cavalheiresca, em lendo estes lhe aprovesse fazer-se pastor e ir-se pelos bosques e prados, cantando e tangendo, e, o que seria pior, fazer-se poeta, que segundo dizem é enfermidade incurável e pegadiça."
 
Don Quixote de La Mancha, Cervantes

5.11.13

True Story!



 
Em Baleizão há um café chamado "A crise". O nome é tão irónico que a dona está sempre com a porta fechada e metida no café do lado!



Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o rneu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"

4.11.13


Parece-me que já não posso ignorar o meu ar de "desenho animado". Esta descrição já remonta há uns 10 anos quando comecei a comer na cantina velha da UL. Nos dias de doce de bolacha, segundo os meus colegas, fazia uma cara de satisfação a comer que parecia irreal. De tempos a tempos alguém se lembra de observar melhor a minha expressão e lá sai um "pareces uma animação". De facto não consigo esconder o que sinto (ainda que por vezes tente) e isso é mesmo espelhado nas minhas expressões. Eu chamo-lhe "perder o (pouco) ar de modelo e ganhar em graça".
 
Isto tem alguma piada até ao dia em que ele me diz que esta



é a minha cara quando...enfim... ataco qualquer coisa!

Pela igualdade


 
 
 
Este é um blog surpreendente, bem escrito, fundamentado e ao qual vou regressar muitas vezes. Aparentemente sobre o feminismo, é sobretudo de igualdade que o autor fala.
 
Mais aqui!
 

3.11.13

Como ver um concerto de Pixies sem sair do sofá!




Esta vai ser uma semana marcada pelos Pixies e isso vai ser notório aqui no cantinho. O concerto é no Sábado (e eu vou com a mana caçula) por isso não há como escapar da celebração que já ando a fazer há umas semanas. Hoje fica um concerto em versão unplugged com os elementos que integram a banda actualmente.

 
"So many of us have benefited from the work he has done. We all owe him a debt. Most of us that owe a debt are not very happy to own up to it. Sometimes you like to imagine that you did everything on your own. But I think with Lou, everyone will stand in line to say thank you, in their own way."
 
Patti Smith sobre Lou Reed

Estou aqui num género de luto...

Fui a Vila Chã e chorei




Há uma terra, para os lados do Barreiro, que se chama Vila Chã. Depois de morta, a Rosa, minha avó, foi para lá.
Vila Chã nunca tinha existido para  mim. Hoje é um sítio que visito de tempos a tempos. Na sexta-feira, por saber que a avó Rosa gostaria, fui lá. Sentei-me na borda da campa e conversei com a avó Rosa como sempre o fiz, voz alta, olhos expressivos e sorriso na cara. Contei-lhe dos amores, da minha vida nova em Beja, da minha mana caçula e de como está a viver bem a vida, dos meus pais no seu amor de décadas e da minha prima, caloira este ano. Falei-lhe do que gostava que ela tivesse presenciado (a defesa da minha tese, que lhe dediquei; a minha casa, onde há tanto dela) e disse do que tinha saudades (os abraços com amor, as conversas ao telefone, os beijinhos intermináveis, a canja, a cerelac, o arroz doce e os biscoitos).
Levantei-me e ao fundo da campa, chorei! Há amor, há saudade!
 
A minha avó nunca morou em Vila Chã. Foi um dos acasos da vida (ou da morte) que ditaram que era ali que ela iria ficar. A minha avó mora debaixo das videira, onde em criança se deitava a comer uvas directamente da árvore. Mora em todas as ruas de Campo de Ourique onde viveu a felicidade que envolve os recém-casados. Mora nas lezírias do Ribatejo, onde os frutos são silvestres, os touros seguem com o olhar os que passam nos caminhos e a sopa é da Pedra. Mora no braço da minha mana caçula onde está tatuada a frase que tanto dizia e mais nos marcou, não uma frase poética mas sim uma frase feita - a vida é maravilhosa. Mora em nós, nos nossos gestos, palavras e hábitos.
 
Fui chorar a Vila Chã mas, diariamente, sorrio onde estiver. É um sorriso de avó Rosa.

2.11.13

Lili de onde vem o teu refinado gosto musical?


E já vão uns aninhos...



O Caeiro foi-me inculcado cedo e quando menos espero lá está ele...



Baleizão, Beja
Local de Trabalho


AH! QUEREM uma luz melhor que
a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas
que vejo! ...

A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol
que o Sol,
O que quero é prados mais prados
que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores
que estas flores -
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"