26.9.13


 
 
Pela morte de Ramos Rosa (poeta que nunca tinha lido) ocorre-me que a Morte é o momento de maior atenção dado a um poeta. Constatação triste mas para a qual contribuo. Não são raras as vezes em que é depois de anunciado o desaparecimento que me levo a pegar em poesia.
A poesia que leio é avulsa. Um poema hoje e outro daqui a dias, normalmente pesquisada na internet, a  não ser nos autores que me são muito queridos. Se fosse por mim, é verdade, nenhum poeta tinha pão para colocar na boca.
 
Mas é isso que distingue a poesia. Nem sempre0 quem tem alma de poeta, quem gostaria de  apreciar os poemas, tem a eles acesso. Há muita gente com quem me cruzo, por caminhos e aldeias, que me esmaga com cinco palavras certeiras. Outros, pela TV ou jornais, embrulham-me o cérebro até quase o apagarem.
 
E se leio poemas é numa luta constante contra a ideia inculcada por anos de português mal ensinado de que o que interessa é a métrica, a rima e a as figuras de estilo...
 
 
A Poesia Vai Acabar

 

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?»    E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

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