28.5.13



III

Hoje a dor é tanta que a viagem não é fácil; é quase como querer agarrar uma coisa que já não se tem, para a poder conter, apenas, na esperança; é como se sentisse esvaziar-me e simultaneamente me debatesse desesperadamente para não deixar jorrar para fora de mim o bom....ponho as mãos em cima do peito e digo - coração, por favor, não deixes sair o que aí entrou; ponho as mãos nos olhos e peço-lhes para conseguirem ver para dentro as imagens com nitidez; enrolo-me no meu corpo, como a querer conter, guardar e não perder aquele afecto, aquele bom. E para apaziguar a dor, reconstruo, no hoje, bocados de vida vividos contigo, tentando agarrar o que senti para repetir, repetir, repetir, na ilusão de que revivo. E talvez reviva, mas é como uma fotografia que vai perdendo a nitidez. Por que o faço? Acho que é o não querer perder-te, é o procurar amornar a dor da perda como se esta pudesse dividir-se em pedacinhos mais fáceis de suportar. Porque afinal não posso colocar as mãos em ti e, sem te pedir que fiques sentir-te a ficar, perpetuando-te.


MARIA JOÃO SARAIVA, in A DOR QUE ME DEIXASTE (Coisas de Ler Editora, 2ª ed, 2011)

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