20.3.13



Em 2011 o vencedor do prémio Leya - João Ricardo Pedro - era  um engenheiro no desemprego quando se propôs a escrever a obra "O teu rosto será o último" que lhe rendeu o galardão. Recentemente ouvi a notícia de Daniel Rodrigues, vendedor na categoria de foto  quotidiana do World Press Photo, o mais prestigiado prémio fotográfico do mundo. Está desempregado, juntou-se a uma missão voluntária para conseguir as suas fotos e teve que vender a máquina para sobreviver. Imaginem que um escritor tem que vender as suas canetas ou um pintor os seus pincéis...

Na semana passada fui assistir a defesas de teses de mestrado de amigos e colegas. Foram boas teses de 17, 18 e 19 valores. O que é que estas pessoas vão fazer a partir daqui? Vendo o caso de colegas que já defenderam há uns anos existem várias soluções de futuro: 
1) voltar para casa dos pais, que já pagaram a licenciatura e o mestrado (sim porque os mestrados funcionam em horários que impedem, em muitos casos, de arranjar qualquer outro trabalho) e continuar a depender deles enquanto utopicamente enviam currículos dos quais nem resposta recebem numa rotina apática, defesa para que não se descaia nem para o lado da esperança que dá para o torto nem para o lado depressivo que resulta ainda pior 
2) tentar anos e anos  seguidos ter uma bolsa para avançar com a tese de doutoramento. Bolsas essas que para além de escassearem são atribuídas segundo critérios muito estranhos que ninguém entende, nem aqueles que milagrosamente as recebem. Estes estão uns quantos anos a fazer o doutoramento, sem direito a nada como ferias, subsídios, faltas ou descontos para a reforma, defendem a tese e ficam geralmente com as restantes hipóteses que aqui menciono. 
3) podem sempre emigrar, e aqui reside a maior taxa de sucesso, levando consigo os conhecimentos que o Estado (e todos os contribuintes) ajudou a adquirir. Os pais tem que escolher lidar com um filho perto sem futuro ou lá longe mas independente e bem sucedido, a produzir investigação reconhecida e que podem rever sempre que, com pompa, seja convidado a vir falar numa universidade ou conferência portuguesa. 
4)por último podem chatear-se e ir trabalhar para o supermercado ou outro emprego que tal, esquecendo tudo o que estudaram ou sabem, porque se não provavelmente dão em loucos (atenção nada contra estes empregos que nem ponho de parte num futuro meu mas se tivesse a certeza de que era ali que ia parar tinha-me poupado (e aos meus pais) muito dinheiro, as noites em branco e avida pessoal hipotecada). 
Porque depois há isso. Nesta história toda só tem filhos quem se descuida ou então tem um parceiro com um óptimo emprego porque não há como ter projectos num mundo tão precário em que teses de investigação sobre a cura do cancro são escritas num quarto duplo de 100 euros a comer massa com atum.
O nosso trabalho de investigação é extraordinário, ganha prémios e bolsas internacionais, mas o Estado desliga-se dele desde a licenciatura destes investigadores e profissionais, não os sabe orientar, manter e fazer crescer no seu país. São trabalhos sobretudo feitos à custa de muito suor, quando se pode, conciliados com trabalhos reais de 500 euros ou então usando o dinheiro dos pais, de muito empenho, gosto e carolice.
Voltando ao início deste texto. Nós não gostamos de ficar parados, somos engenhosos e dedicados e isso pode resultar num livro escrito no desemprego ou de fotos tiradas numa missão voluntária por uma máquina que entretanto teve que se vender. A vontade de fazer existe. Tal como existe o engenho. O pior é quando ambos (vontade e engenho) nos abrem largas portas mas do outro lado da fronteira.

P.s. Este texto não é sobre mim. Felizmente sempre tive trabalho para ir pagando o meu mestrado. Mestrado que ainda não concluí porque não podia fazer ambos ao mesmo tempo. É sobre uma enormidade de bons investigadores que conheço sobreviventes de bolsa em bolsa, de estágio em estágio, sem um carro, uma casa ou família própria porque escolheram ser cientistas, produzir investigação. São a "nossa tecnologia de ponta" e parecem ter que possuir espírito missionário para  continuar. Um bem-haja a todos.

4 comentários:

  1. Ler o teu texto é um pouco esquisito...

    Do ponto de vista de alguém que planeou a sua vida profissional aos 13 e tem passado os últimos 22 anos da sua vida a executar esse plano acho o teu texto muito complicado de comentar. Por um lado não quero ser mauzinho... por outro apetece-me esmagar a cabeça de alguns dos teus colegas contra uma parede de betão armado (daquele betão armado de pontes mesmo... 200Kn e tudo)... e por aqui me fico.

    ... com a pequena ressalva de achar extremamente egoísta e falta de educação e merdice cobarde pura alguém considerar mamar na teta materna até perto dos 30 anos. As minhas memórias da adolescência e juventude poderiam ser muito giras e tal mas duvido muito que me trouxessem onde estou hoje. É a dificuldade que nos faz exceder os nossos próprios limites, aceitar desafios, traçar metas ambiciosas porém realistas. Mas pronto... como disse é melhor estar caladito antes que a "brigada dos jovens reformados quinhentistas" me descubra e me meta um dislike no Facebook, oh horror dos horrores.

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    1. É um tema complexo. Eu não penso como eles. Demoro mais tempo mas ganho para mim e para pagar a investigação que me predisponho a fazer. Mas eles sabem que são bons naquilo e acaba por ser uma escolha familiar financiar os custos dessa opção... Depois há a questão das bolsas, que são ridículas e até ao doutoramento inexistentes. Aqui muitos nem perseguem o grau académico mas sim uma investigação em concreto e não são apenas os 5000 euros anuais de propina mas também os congressos e tempo dedicado à divulgação em artigos... O que me azeda as entranhas é que alguns são mesmo bons... Felizmente os meus colegas e amigos optam por sair de Portugal, onde tem trabalho tanto no aparelho do estado como em empresas privadas, são reconhecidos e pagos para produzirem boa investigação. Por cá é o deserto e o dasalento.

      Gosto sempre de receber os teus comentários. Sou sempre levada a fazer uma segunda reflexcção.

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  2. ali o noise não considera as pessoas que estão em casa dos pais porque tem de ser. isso é que é falta de consideração. eu queria sair de casa, mas não tenho dinheiro. escolhi participar nas despesas da casa com o meu magro salário de quinhentos. isto de cuspir para o ar é que é feio quando se tem as costas quentes.

    o eu ter emprego não me leva a falar dos mandriões que não querem fazer nada.

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    1. Acho que as pessoas quando vem com essa do "ainda viver na casa dos pais" não tem a mínima noção do que mudou socialmente neste país. Há 20/15 anos atrás as pessoas casavam genericamente cedo e iam para uma casa alugada ou comprada. Logo eram dois a contribuir com trabalho para uma única casa e as rendas/prestações eram baixas relativamente ao ordenado. Hoje, os ordenados são ridículos, uma prestação é cara e uma renda caríssima. E muitos se quiserem sair de casa dos pais tem que arrendar porque pessoas com avenças ou recibos verdes não tem direito a créditos... Resultado, em casa dos pais sempre se ecomomiza e acaba por se poupar nas despesas que uma família tem com aluguer de contador da luz/agua e até de transporte. Não acho mal. Acho um bem conveniente e penso muitas vezes naqueles que não tem pais com casa para os albergarem....

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