6.2.13

O dia em que dei na veia


Um recuerdo da minha passagem pelos Hospitais da Universidade de Coimbra

Tenho como ritual antes de ir dormir ver uma das mil séries que sigo. Ontem a escolha recaiu sobre Castle. Durante a visualização o meu corpo (talvez por não suportar a grande qualidade da série ou os seus enredos intrincados) revoltou-se. Deu-me uma pontada do outro mundo na zona dos rins e já não aguentava deitada. Andei uma hora de um lado para o outro, quase corcunda e depois tive que acordar a minha wing girl (AKA a minha irmã) e rumar aos HUC.

Sendo quatro da manhã cheguei ao Hospital em 10 minutos e ainda tive que parar num malfadado sinal vermelho, que nunca me pareceu ter demorado tanto a abrir (acrescente-se que para além de dor abdominal ainda estava regurgitar o jantar o que fez com que conduzisse com um saquinho, daqueles pequenos da farmácia que era o que tinha à mão, para ir deitando fora o que me agoniava, o pior era acertar com a abertura do saco enquanto metia mudanças).

Primeira vez nos HUC entrei com os sentidos bem atentos. Logo na inscrição - eu com lágrimas da dor - o senhor demorou uns 15 minutos a deixar-me ir para a triagem. "Qual a sua morada?" - É essa que está aí! "Qual a sua profissão?" - É tal! "É da ADSE?" - Não. Porque é que me pergunta isso? "A maior parte das pessoas são" - ....


Triagem. Eu cheia de dores, quase a contorcer-me snake style. O médico acha que de 0 a 10 tenho 4 de dor. Pelos visto a maior dor física que senti na vida é apenas nível 4. Devo ser uma sortuda ainda não ter sentido mais dor. Quando parir aparentemente devo morrer com a primeira contracção.

Sou logo chamada para ser vista. O médico - giro nas horas e aí da minha idade - põe as suas mãozinhas na minha barriga e começa a pressionar e a perguntar onde tenho dores. Concentro-me nas dores e não nas mãos. Tratamento: soro com uma coisa qualquer que ninguém me explicou, podia estar a fazer uma viagem à wonderland que nem sabia. Depois de tratada pedem-me que fique em observação. Onde? Numa cama individual? Numa daquelas salas com 20 camas cheias de velhinhos e gente com gripe? Não. Num corredor onde não para de passar gente...

A minha irmã está comigo e não encontra posição para dormir. São cinco da manhã. Ao meu lado uma velhota dorme e ressona. Ao lado da minha mana um casal. Ele de nariz partido manda palavras iradas para o ar contra o "amigo" que lhe deu um murro. Eu estou de olhos bem abertos, o soro que estava a levar na veia já acabou e fico a imaginar se não me entra uma bolha de ar para a corrente sanguínea. A minha mana manda-me calar. Estes pensamentos são recorrentes na minha pessoa. Fico com medo de tocar em tudo porque acho que vou apanhar uma doença. Não me tiram a agulha da veia porque "podem ser precisas novas análises" Passo 6 horas em "observação", num corredor de hospital e com uma agulha espetada na veia.

São seis da manhã. A hora mais negra da noite. Há música nos corredores. Muito baixinho passa o S&M dos Metallica... O tipo do nariz partido diz que aquela música lhe dá vontade de partir o gajo que lhe deu o murro. Repito...o S&M. Se fosse o Black Album o homem partia o hospital todo. A velhota ao meu lado é embalada pelos Metallica e a minha irmã também. O casal acaba por adormecer abraçado. Eu continuo com a porra da agulha no braço e o tubinho do soro pendurado naquelas estruturas de metal com rodinhas. Uma das rodinhas...não roda. Quero fazer xixi. Tenho que ir à casa de banho do hospital com uma agulha no braço e uma coisinha de rodinhas que não roda. Começo a ficar com ansiedade. Obviamente a vontade de xixi aumenta com a ansiedade. Tiro o saquinho do soro da estrutura de metal e corro para o WC. Calço umas luvas que surripei ao cantinho das enfermeiras. A casa de banho tem aquele sistema de luz em que temos que abanar os braços no ar para funcionar. Tento abrir as calças com a agulha no braço e o saquinho do soro na mão. A luz apaga-se estou eu a meio do processo. Tenho que abanar o braço e apenas o da agulha está numa posição conveniente. Abano devagar... não acende. Mexo as pernas para a frente a para trás...não acende. Abano a cabeça, acendeu. Faço o que vim fazer muito rápido.

Mais uma hora se passa. Não vejo uma alma. Dou  conta que os médico estão todos a dormir numa sala ao fundo do corredor. Começo a imaginar o médico giro a dormir. Lembro-me da Anatomia de Grey. Já não durmo à um dia. Imagino o médico giro a fazer outras coisas que não dormir. Shame on me. 

Duas horas mais tarde sou vista de novo. Aparentemente não tenho dores. Dão-me alta condicionada. Se tiver dores outra vez tenho que lá voltar. Não fazem a mínima ideia do que tenho pode ser uma dor renal e/ou abdominal e/ou do sistema urinário e/ou apendicite (embora esta pouco provável). Saio dos hospital às 9 da manhã. 

Vivo no centro da cidade. Nunca há lugar às nove da manhã. A minha hipótese é deixar o carro num descampado nos arredores da cidade, apanhar um táxi até casa, e voltar a apanhar um táxi para ir buscar o carro ao final do dia. Ainda assim passo à frente da porta de casa pode ser que o karma seja meu amigo. 
E é! Existe um único lugar livre. Estaciono, subo as escadas, tiro a roupa, aqueço um saco de agua quente, deito-me na cama e morro. A mana também.

Acordo às 5 da tarde. Não tenho luz em casa! (mas esse conto são outros quinhentos)

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